Doença Falciforme

A anemia falciforme é a doença hereditária monogênica mais comum do Brasil.

A causa da doença é uma mutação de ponto (GAG->GTG) no gene da globina beta da hemoglobina, originando uma hemoglobina anormal, denominada hemoglobina S (HbS), ao invés da hemoglobina normal denominada hemoglobina A (HbA).

Esta mutação leva à substituição de um ácido glutâmico por uma valina na posição 6 da cadeia beta, com consequente modificação físicoquímica na molécula da hemoglobina.

Em determinadas situações, estas moléculas podem sofrer polimerização, com falcização das hemácias, ocasionando encurtamento da vida média dos glóbulos vermelhos, fenômenos de vasooclusão e episódios de dor e lesão de órgãos.

Em geral, os pais são portadores assintomáticos de um único gene afetado (heterozigotos), produzindo HbA e HbS (AS), transmitindo cada um deles o gene alterado para a criança, que assim recebe o gene anormal em dose dupla (homozigoto SS).

A denominação “anemia falciforme” é reservada para a forma da doença que ocorre nesses homozigotos SS. Além disso, o gene da HbS pode combinar-se com outras anormalidades hereditárias das hemoglobinas, como hemoglobina C (HbC), hemoglobina D (HbD), beta-talassemia, entre outros, gerando combinações que também são sintomáticas, denominadas, respectivamente, hemoglobinopatia SC, hemoblobinopatia SD, S/beta-talassemia.

No conjunto, todas essas formas sintomáticas do gene da HbS, em homozigose ou em combinação, são conhecidas como doenças falciformes. Apesar das particularidades que as distinguem e de graus variados de gravidade, todas estas doenças têm um espectro epidemiológico e de manifestações clínicas e hematológicas superponíveis.

No Brasil, a doença é predominante entre negros e pardos, também ocorrendo entre brancos. No sudeste do Brasil, a prevalência média de heterozigotos (portadores) é de 2%, valor que sobe a cerca de 6-10% entre negros.

Estimativas, com base na prevalência, permitem estimar a existência de mais de 2 milhões de portadores do gene da HbS, no Brasil, mais de 8.000 afetados com a forma homozigótica (HbSS). Estima-se o nascimento de 700- 1.000 novos casos anuais de doenças falciformes no país. Portanto, as doenças falciformes são um problema de saúde pública no Brasil.

Uma das características dessas doenças é a sua variabilidade clínica: enquanto alguns pacientes têm um quadro de grande gravidade e estão sujeitos a inúmeras complicações e frequentes hospitalizações, outros apresentam uma evolução mais benigna, em alguns casos quase assintomáticos. Tanto fatores hereditários como adquiridos contribuem para esta variabilidade clínica.

Entre os fatores adquiridos mais importantes está o nível socioeconômico, com as consequentes variações nas qualidades de alimentação, de prevenção de infecções e de assistência médica. Três características geneticamente determinadas têm importância na gravidade da evolução clínica: os níveis de hemoglobina fetal (HbF), a concomitância de alfa-talassemia e os haplótipos associados ao gene da HbS.

O diagnóstico da DF é feito, principalmente, no Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN) – “Teste do Pezinho”. Crianças a partir dos quatro meses de idade, jovens e adultos que ainda não fizeram diagnóstico para detecção da doença podem realizar o exame de sangue chamado eletroforese de hemoglobina, disponível no Sistema Único de Saúde (SUS). A eletroforese de hemoglobina também está inserida na rotina do pré-natal, que é garantido a todas as gestantes e parceiros.

Quando diagnosticadas precocemente e tratadas adequadamente com os meios disponíveis, no momento, e com a participação da família, a morbidade e mortalidade podem ser reduzidas expressivamente. O aconselhamento genético em um contexto de educação pode contribuir para reduzir sua incidência. Todas as ações do aconselhamento genético das doenças falciformes deverão considerar os referenciais da bioética na abordagem de uma doença genética.

Segundo o Ministério da Saúde, entre os anos de 2014 e 2020, a média anual de novos casos de crianças diagnosticadas com DF no PNTN foi de 1.087, numa incidência de 3,75 a cada 10.000 nascidos vivos. Estima-se que há 60.000 a 100.000 pacientes com DF no país. A distribuição no Brasil é bastante heterogênea, sendo a Bahia, o Distrito Federal e Minas Gerais as unidades federadas de maior incidência. Uma vez que se trata de uma doença genética de origem africana, a DF é mais comum (mas não exclusivas) em pretos e pardos.

Para chamar a atenção da população para esta doença genética de maior prevalência no mundo, desde 2008, a Organização Mundial da Saúde, instituiu a data de 19 de junho como o Dia Mundial de Conscientização sobre a Doença Falciforme.